sábado, 2 de fevereiro de 2013

Capítulo 10 Viagem Sem Volta - último capítulo


─ Onde você estava esse tempo todo? Estava preocupado contigo, por um momento pensei que tinha acontecido algo ─ Leandro perguntou.
─ Fui visitar minha tia e meu irmão ─ eu objetei.
Estava meio estressado e nervoso. Sentia que minha vida estava nos últimos momentos.
─ Leandro. Faz uma massagem em minhas costas?! O dia hoje foi tenso pra mim. Aliás, toda a minha vida está tensa.
Relaxei mais um pouco. Deitei. Leandro ligou a TV e de repente uma música bem conhecida estava passando numa novela, não sei se era das seis ou das sete. Era a música de Renato Russo, Mais Uma Vez. Cantava o trecho:

“... Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá. Tem gente que machucam os outros, tem gente que não sabe amar...”

Aquele trecho da música ficou na minha cabeça. Tentei decifrar o que dizia aquele fragmento. Eu machuquei as pessoas que mais amava nesse mundo e passei a amar aquelas que não deveriam nunca ter entrado na minha vida, ou seja, aquelas que deveriam estar do lado de lá, longe, muito longe de mim. Exceto Leandro que nunca me machucou na vida e que sempre esteve ao meu lado, como está até hoje. Se bem que ele também foi influenciado a usar drogas por Carlos. Leandro tinha um medo terrível dele. Tudo que Carlos pedia pra Leandro fazer, fazia, sem reclamar nem retroceder. Foi Carlos que colocou Leandro no mau caminho. Leandro tentou sair do poço onde estava, mas Carlos não deixava. Arrependo-me até hoje de ter conhecido Carlos. Maldita hora que eu traguei aquela maconha, maldita hora! Se eu não tivesse conhecido aquele desgraçado, hoje minha vida seria outra, teria fé disso. Deram dez horas da noite e eu acordei. Sempre acordo excitado. Leandro estava deitado ao meu lado, não dormia, só descansava. Comecei a fazer carícias em seu ombro pra ver se ele despertava. Abriu os olhos risonho.
─ Está a fim de fazer amor agora? ─ eu perguntei.
─ Preciso lhe contar uma coisa ─ ele disse.
─ O quê?!
─ Eu tive culpa em boa parte da tragédia que a sua vida é hoje.
─ Do que você está falando Leandro?
─ Estou falando do primeiro dia que nós nos vimos na escola. Do primeiro trabalho de Biologia, no primeiro contato com a droga.
─ Sinto muito, mas eu não estou entendendo o que você quer dizer com isso.
─ Eu que pedi ao Carlos pra desencaminhar você. O Carlos não queria, mas eu insistir. Notei que você tinha cara de ingênuo, de bobo e quis desviá-lo para o caminho da dependência.
Eu me levantei espantado, incrédulo:
─ Não foi o Carlos, mas sim você?! ─ eu conclui.
─ Infelizmente. Não quis medir esforços com relação a isso. Perdoe-me se fui pra você um retrato bem desenhado e perfeito do Diabo, mas meus instintos pediam-me que eu fizesse isso ─ ele disse honestamente, olhando bem fundo nos meus olhos.
─ Eu não acredito nisso. Você não seria capaz de uma loucura... ─ tentei terminar, mas ele interrompeu:
─ Mas eu não fui apenas o retrato bem desenhado do Diabo, mas a figura eterna e magnífica de Deus também. O amigo que contou toda a sua vida pro empresário do Corinthians fui eu. Pedi a ele que lhe desse uma chance na vida porque você precisava e estimava isso há muito tempo. Era o seu sonho, Bruno, era um sonho lindo e raro. Da mesma forma que eu pus você no caminho longo e sofrido da dependência química, da mesma forma eu pus você em outro caminho, o caminho em busca da felicidade. Você alcançou o sonho, o sucesso, obteve fama e dinheiro. Mas foi você que resolveu voltar para o mundo das drogas. A escolha foi sua. Você estava bem de vida, o mundo estava aos seus pés e você tinha tudo pra se dar bem na vida. Acho que você deve ter percebido que tudo aquilo era refugo, e era mesmo. Porém não quis acreditar que era refugo por justamente parar no caminho e voltar para o primeiro sem olhar para trás.
─ Por que você fez isso? ─ perguntei com lágrimas nos olhos.
─ Por que você não pertence as drogas e nem as drogas pertence a você. Se quiser, Bruno, ainda a tempo de voltar ao começo e recomeçar, mas recomeçar tudo diferente. Sei que o que você perdeu não vai ser mais conquistado, seu pai não vai voltar mais a vida, mas a morte de uma pessoa tão querida, tão amada por todos pode ser superada, o tempo cura as feridas, das mínimas as mais extremas. Você tem que ir em busca do seu amor, a vida, do seu verdadeiro amor, a Doralice. Vocês ainda se amam e você não vai deixar o Carlos ganhar essa parada, vai? ─ ele conjecturou.
Ela não vai querer saber mais de mim ─ sentei desolado.
─ Tenta. Apenas tenta ─ concluiu ele, quase insistindo.

A última música da Timbalada foi Adão e Eva. Quando ouvia essa música ficava ainda mais estremecido. Lembrava do meu romance com a Doralice. Eu era o Adão e ela, Eva. O paraíso era a praia de Itapoã onde fazíamos nossas loucuras. Curtir toda a música. Cantava o trecho:

“Quando você foi embora e levou minha paz, é impossível te esquecer te quero muito mais. Quero ter você comigo, pra mim é tudo que eu preciso. Adão e Eva no paraíso, um só coração”...

Carlos estava ali por perto com mais alguns homens mal encarados. Eles escondiam cada um, um revólver nas calças. Carlos tramava vingar-se de mim naquela noite. Eles me avistaram. Percebi que eles corriam atrás de mim, tinham já puxado o revólver e já começaram a atirar. O trio estava perto do Pelourinho. Desci a ladeira desesperado. De repente avisto uma barreira de homens com revólveres nas mãos no fim da ladeira. Parei, olhei pra trás. Carlos e os outros homens se aproximavam e todos cercaram-me:
─ Acabou pra você, Bruno! A sua vida acaba por aqui, moleque. Pensou o quê? Que ia continuar nessa vida e que nunca ia se dar mal? disse Carlos.
─ O que eu fiz para você me matar Carlos? Abaixa essa arma, por favor, vamos conversar ─ eu disse muito ofegante e exausto da corrida.
─ Cadê minha grana que tu me deve? ─ ele perguntou.
─ Grana? Que grana? ─ eu perguntei sem saber do que se tratava.
─ Não se faça de idiota, você sabe muito bem do que eu estou falando. A grana das drogas que você me deve, há muito tempo. A dívida acumulou e você nunca me pagou. Qual foi o nosso trato Bruno? Eu te daria as drogas e você me pagaria, nota por nota. Não foi esse o nosso trato?
─ Não foi bem exatamente isso. Você disse que eu pagaria uma parte e a outra parte eu pagaria em troca de favores sexuais com o Leandro. Foi esse o nosso trato ─ eu retruquei.
─ Eu nunca falei isso pra você. Eu disse que você me pagaria em dinheiro. Sua relação com o Leandro não entrou na negociação que nós fizemos. Cadê minha grana? ─ ele continuou insistindo.
─ Não tenho dinheiro. Perdi todos os meus bens, carros, casas... perdi tudo, estou a míngua, não tenho dinheiro.
─ Se você não me pagar por bem então vai pagar por mal. É assim que você quer? ─ Carlos já apontava a arma para mim.
Ajoelhei-me nos pés de Carlos, cruzei as mãos e pedi humildemente, chorando:
─ Por favor, Carlos, não me mata, não faz uma crueldade dessas comigo, por favor, eu te peço.
Leandro apareceu e no pé da ladeira falou:
─ Carlos, não faz isso com ele. Abaixa essa arma ─ disse Leandro já desesperado.
─ Sai daqui Leandro, a conversa não é contigo ─ gritou Carlos.
─ Em nome da nossa amizade não comete essa loucura, por favor, ─ implorou Leandro.
─ Amizade? Que amizade? Que amizade Leandro? Eu não sou mais seu amigo desde o momento que você se bandeou para o lado desse merda. Nunca sei quem você é cara, nunca lhe conheci na vida ─ Carlos retrucou.
─ Vai embora Leandro, eu não quero que você veja isso. Vai embora! ─ eu disse.
─ Carlos, me leva, mas não leva meu amigo, eu te peço, por favor. Me mata no lugar dele. ─ pronunciou Leandro.
 De repente ouvem-se sirenes de polícia.
─ A polícia vai pegar você, seu bando e todos vocês vão parar na cadeia se cometerem esse crime. Foge enquanto é tempo, Carlos, foge! ─ ordenou Leandro a Carlos.
Carlos olhou pra mim e ordenou:
─ Levanta e vasa daqui, já! Vai, desaparece da minha frente, agora! Vai!
Estava fatigado, não suportava mais. Levantei e iniciei a partida. Carlos apontou a arma em minha direção e atirou. Foram dez disparos. Cinco na cabeça e mais cinco nas costas. Olhei pra casa onde morei e disse as últimas palavras:
─ Pai! Perdoe-me!
Cai ali mesmo, ensanguentado, morto. A música de Timbalada ainda tocava bem alto. Leandro, desesperado, correu até a mim e agarrou-me no colo. Carlos e os outros homens fugiram. A polícia viu a ação deles e tratou de caçá-los imediatamente. A cena foi chocante. Todos daquele bairro e os que curtiram o carnaval ouviram os tiros e correram pra ver o que tinha acontecido. Rodearam o meu corpo estirado no chão. Alguns gritavam desesperados, outros choravam. Meus ex-vizinhos me reconheceram e menearam um gesto negativo com a cabeça. 

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