(...) Enquanto eles me procuravam eu estava, mais uma
vez entocado dentro do quarto, que eu chamava de cubículo, cheirando pó e fumando.
Eu já tinha perdido mais uns 10 quilos, estava pesando mais ou menos uns 35
quilos. Resolvi não me entregar e decidir comer, de manhã, à tarde e a noite. Também
fazia caminhadas pela orla de Itapoã, mas a vontade de usar drogas era mais
profunda. Aquele desejo não saia mais de mim e eu ia me afundando cada vez mais
nesse mundo.(...)
(...)
(...) Por azar da vida, os policias me prenderam por
porte ilegal de armas. Arma que o Carlos tinha me emprestado pra justamente
matar o Rosinaldo se ele não pagasse a dívida. O delegado nem quis saber das
minhas explicações e foi logo me mandando direto pra cela. Aquela cela era
imunda, não tinha lugar para se sentar nem pra deitar, só o chão molhado era
nossa única solução. Nossa, porque mais dois meliantes me faziam companhia. Eram
dois homens mal encarados, me olhavam de um jeito estranho, me encaravam como
se eu fosse mais perigoso do que eles, mas a cara não negava, eles tinham caras
muito ameaçadoras. Me encolhi dali, fiquei calado no meu canto até que algo
fosse resolvido ao meu favor. Fiquei desesperado quando soube que ia passar a
noite na cadeia. Não queria de jeito nenhum ficar ali trancafiado naquela
pocilga, naquela podridão na companhia do medo, o maior medo era de encarar
aqueles homens que não tiravam o olhar de mim, pensei até que eles iam me dar
alguma surra ou fazer algum outro mal, sei lá, a gente nunca pode esperar coisa
boa vinda dessas pessoas. (...)
(...)
(...) Quando sair do banheiro, meu pai disse: “Fiz uma
comida pra você, filho. Tá na mesa”. Fui até a cozinha ver o que era. Estava na
mesa um prato com arroz, feijão, farinha e carne, tudo misturado, era uma
gororoba. Disse a ele: “Não vou comer essa comida de pobre. Isso vai me fazer
mal. Vou dormir com fome mesmo” e entrei pro quarto. Meu pai ficou na sala meio
estarrecido, cabisbaixo, ia chorar não de raiva, mas de pena. Pensei comigo
mesmo: “Como é que pode um jovem criado numa favela recusar o que sempre comeu
toda a vida? Arroz, feijão, farinha e carne?”. O egoísmo tomou conta de mim.
Agora tinha que enfrentar os meus maiores inimigos: o egoísmo, a arrogância e a
prepotência. (...)
(...)
(...) Fui até a praia, sentei na areia e olhei bem fundo
ao horizonte. Nesse momento não conseguia pensar em nada, só queria pensar nas
drogas, como eu arranjaria mais, como me tornar um grande traficante de drogas.
Meu pensamento pareceu real e foi real. Não foi mágico, mas foi muito rápido. Não sei
co-mo aquilo aconteceu. Tornei-me o chefe de uma boca de Salvador. Recebia
drogas, distribuía e vendia. Quanto mais eu vendia mais ficava rico. Tirava
todo mês em torno de dez milhões de reais. Fiquei poderoso, todos passaram a me
respeitar. Nem o Carlos e o Leandro conseguiram o que eu conseguir em poucos
dias. (...)
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